terça-feira, 27 de março de 2012

Conto 18 - Parte 3 e 4


Parte 3

Olhou nos olhos daquele homem, não era mais um garoto de quinze anos, o sangue que correra por sua mão tinha lhe feito homem, o senso de responsabilidade bateu fundo, estava na hora de fazer algo por sua família, olhou a volta, viu que havia muitos, avançou como se fosse concordar com o que havia sido proposto, olhou para ele e disse:
- Esse mundo pode não ser o melhor, sei que minha situação pode não ser tão boa, e sei que se trabalhasse para você poderia resolver muitas coisas, mas onde ficaria minha consciência? O que faria ao chegar em casa e olhar nos olhos da minha mãe.
Naquele momento sabia qual era minha deixa, comecei a leva-los para o fundo para podermos sair dali, tinha que protege-los, era para isso que ele tinha me deixado ali, era por isso que ele tinha me olhado daquela maneira, eu era a única pessoa que ele confiava para colocar sua família em segurança, corremos para o fundo, na frente da casa comecei a ouvir tiros, enquanto atirassem era um bom sinal, ele ainda estava lutando, mas aquela emboscada tinha sido muito bem feita, a casa ainda estava cercada e não só isso começaram a atirar coquetéis molotov contra a casa, estávamos cercados e a única saída era a frente, eu sabia que tinha habilidade para sair dali sozinho, mas não poderia fazer isso, a casa estava começando a ficar completamente em chamas e não teríamos por onde sai, tinha que dar um jeito.
Poderia sair abrir caminho e deixar que fugissem, talvez fosse a melhor estratégia, tínhamos sido treinados para combate, para fuga, mas nunca fomos treinados para ajudar os outros, esse foi um grande erro que poderia custar algumas vidas naquela situação, pulei para fora da casa para abrir uma passagem, comecei a enfrentar quem estava a frente, mais eram muitos, conforme era possível jogava alguns deles nas janelas da casa para abrir passagem mais parecia que não importava quanto lutasse era insuficiente, tinha aberto um caminho, agora tinha que tira-los dali, corri para frente para ver se juntos poderíamos fazer alguma coisa, mas ao chegar lá fui capaz apenas de ver muitos mortos e sangue, mas não consegui encontrar meu amigo, escutei algum tiroteio um pouco mais adiante, mas tinha que me preocupar com aqueles que estavam em meu encalço, sem contar que tinha que averiguar se eles haviam percebido que deixei uma passagem para que fugissem, manter a calma estava se tornando uma situação impossível.
Naquele instante eu pude entender algumas coisas, a primeira delas era a grande diferença social envolvida, não aparecia um policial se quer, um bombeiro para ajudar com o fogo, era como se o que estivesse acontecendo ali não importasse para fora do mundo, como se o que acontecesse ali devesse fica ali, era a única pessoa capaz de resolver aquilo, mas treinar para matar é uma coisa, realmente matar é outra, só que não restaram muitas opções naquele momento, conforme possível pegava uma arma e a descarregava até conseguir outra, para que assim conseguisse voltar para casa.
Corri de volta para casa e não encontrei ninguém senti um alivio, tinha entendido o que fazer e conseguiram fugir, agora tinha que sair daquele lugar antes que mais pessoas me encontrassem.

Parte 4

Voltei para casa depois de passar um tempo procurando meu amigo, mas foi em vão, não havia encontrado mais ninguém, eram corpos jogados e só, não se via os vivos, como se estivessem todos intocados, escondidos para sobreviverem, aquilo parecia uma guerra, onde não se importa mais o que está fazendo, basta conseguir sobreviver.
Mal consegui dormir, acordei no dia seguinte e meu pai apareceu com dizendo:
- Filho você viu o que aconteceu no bairro que seu amigo mora, ouve um incêndio, varias casas se queimaram e muitas pessoas morreram enquanto dormiam, ninguém sabe o que aconteceu ou o que começou o incêndio, só sabem que foi por causa da forma que as construções são feitas.
Tinha que encontra-lo, não sabia o que tinha acontecido com ele, nem mesmo com sua família, mas sabia que eles tinham escondido tudo o que aconteceu com aquele incêndio e não teria como encontrar ninguém que pudesse dar alguma informação.
Era o momento de investigar por conta própria, tinha que usar tudo o que tinha aprendido nesses anos para poder descobrir exatamente o que aconteceu, sai com toda força para descobrir o que tinha acontecido, mas não foi  muito necessário, quando um exemplo tem que ser dado isso é feito e muito bem feito, ao chegar próximo ao esgoto aberto daquele lugar já pude avistar que existia uma pessoa sentada, lá estava meu amigo, abaixado, encolhido, se espremendo, conforme me aproximava pude notar que no meio de tantos detritos humanos haviam humanos.
Aproximei-me com muita calma, ou pelo menos foi o que tentei fazer, mas era impossível fazer isso, lá estava o corpo de sua família, jogada na merda, para realmente simbolizar o que somos, para deixar bem claro que não importava o quanto pudéssemos derrubar, que não importava o quanto fossemos forte por nós mesmos, nada disso mudaria, nada disso faria sentido algum, pois quando tudo isso fosse necessário, quando tivéssemos que realmente usar tudo aquilo não adiantaria, pois não seriamos capazes de proteger aquilo que mais amassemos, aquilo que mais nos fizesse estima.
Aquela foi a lição naquele momento, eu sentei-me ao lado dele e ali ficamos por muito tempo, o sol se foi, a noite chegou e ali ainda estávamos, sentados olhando os corpos lentamente desaparecerem, como se afundassem meio a uma arreia movediça em um deserto, como se fosse um funeral em movimentos lentos, para que cada detalhe fosse visto, nenhuma palavra foi falada, nenhuma lagrima foi derramada, só ficamos ali, olhando e tentando entender o que tinha realmente acontecido e o que deveria ser feito a partir daquele momento.
Ali estávamos por muito tempo até que subitamente ele se levantou, os corpos já havia desaparecido da vista por completo, ele se virou e me disse:
- Vá, antes que acabe como eu, tudo o que fizemos não mudou nada, tudo que aprendemos não mudou nada, a vida real é muito diferente.
Ele começou a andar e o via se distanciando cada vez mais.

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